terça-feira, 29 de setembro de 2009

' Invisível

'Aquela garota que ia mudar o mundo' ainda vive dentro dela. Caminha lutando contra muros imaginários e grades de ferro - impostas pelas pessoas ao seu redor.
"Eu só quero respirar!" - gritou na chuva, enquanto dava passos pequenos e desajeitados. Balançou a cabeça, comprimiu os olhos. Lágrimas misturaram-se às gotas do céu.
O sonho de caminhar de noite para ver a lua...
O sonho de conhecer o mundo...
Talvez seu anjo da guarda tenha chegado para realizar os sonhos de criança que foram trancados à sete chaves.
Com suas grandes asas invisíveis.
Com seu sorriso bobo.
...
Ela sorriu ao vê-lo. Correu o mais rápido que pôde para seus braços, enquanto a chuva se intensificava. O medo se foi. Seu coração palpitou e depois quis sair boca afora. As lágrimas cessaram. As grades de ferro cederam e os muros imaginários vieram abaixo.
Ele sorriu desajeitado e observou-a atentamente, fazendo-a se sentir com dez anos de idade novamente. Ela esboçou um sorriso gigante.
O mundo parou de girar.
A chuva decidiu não mais cair.
A rua deserta tornou-se uma fotografia antiga.
"Congele o tempo, por favor!"
Então tudo se resumiu àquele momento. A rua, o fim de tarde... E não mais que de repente, o mundo que se resumira àquele momento voltou a ser maior do que os dois jamais puderam imaginr. Duas silhuetas caminhavam de mãos dadas e com um par de sorrisos bobos rumo ao pôr-do-sol.

... Ela não sabia, mas suas asas invisíveis começariam a crescer, enquanto ele, apenas sempre soubera que seria assim.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Qual cena vem na sua cabeça quando você ouve uma música?

Eu poso ver pessoas sorrindo com seus sorrisos falsos, em meio a uma cidade caótica e uma rotina maçante. Tons de cinza por todo lado... Um sorriso cínico, uma flor despenca ao chão, um carro passa numa poça d'água que espirra num transeunte desatento. E depois, o mesmo carro de dono mau-humorado com o próprio casamento atropela a garota de cabelos cor de fogo que acendia mais um cigarro para esquecer do namorado.
Os prédios refletem o céu em sua cor mais pura. O céu de baunilha se estende pelas superfícies espelhadas como num espelho que distorce a realidade. Mas a realidade continua bem aqui, porque estão todos vivos... As mesmas pessoas com sorrisos falsos tentam a todo momento resgatar um passado aparentemente feliz ou estão abitoladas com um objetivo de vida, esquecendo-se da realidade bem ali.
Uma mãe sufoca enquanto procura uma forma de alimentar seu filho, um médico faz uma pausa para um café, uma secretária dorme com seu chefe por dinheiro. Estão todos vivendo no modo automático, cada um com sua vida...
Enquanto a garota sorri por encontrar tudo isso num pedacinho do mundo. Ela tem um sonho... Seria possível conhecer o mundo inteiro em uma vida? Seria possível encantar o mundo inteiro com uma palavra? Ela tem esperança...

Malditas sejam as grades que limitam o desenvolvimento de cenas. Desgraçadas sejam as garras que dilaceram seus sonhos. Mas benditas sejam as asas que lhe fazem voar - ainda que ela não possa perceber. Suas asas estão crescendo enquanto ela caminha, faminta por mais pessoas, cores, lugares, dias, surpresas e por fim...palavras.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

...

A enfermeira com óculos ligeiramente tortos me observou com uma expressão mau-humorada.

- Você é a próxima... - resmungou com a voz fina e eu me coloquei de pé,
dirigindo-me até a sala à minha frente. Entrei e fechei a porta atrás de mim. Me sentei na frente do médico com cara de doido, que segurava na mão uma caneta e sorria de uma forma desconcertada. O encarei por longos segundos enquanto ele sorria e, mesmo com os olhos fixos na minha direção, parecia estar há quilômetros de distância dali. Tossi naturalmente e ele pareceu voltar a razão, piscando algumas vezes e desfazendo o sorriso.

- Então, me diga qual é o seu problema mocinha... - sua voz grave não combinava com seu corpo ou suas feições.

- Eu tenho uma dor...

- Onde?

- Bem aqui! - disse, colocando uma das mãos no meu peito, no lugar onde meu coração batia acelerado e desregulado.

- Hmmm. - resmungou o outro. - Conte-me melhor sobre isso... - disse, apertando um botão na caneta que segurava, o que fez acender uma luzinha irritante na ponta desta. O médico inclinou o corpo pra frente e apontou a luz para os meus olhos, causando-me um leve incômodo.

Tentei ignorar aquilo e vendo que ele não iria parar, comecei:
- Bem... é mais como um aperto! Ele se intensifica quando jogo minha atenção diretamente nele... isso vai me sufocando até que eu me irrito com isso e tento respirar fundo pra ver se consigo aliviar a sensação. Mas por mais que eu respire, não passa. Às vezes irrita tanto e dói tanto, tudo ao mesmo tempo, que eu tenho vontade de chorar... Choro por longos minutos e depois não consigo entender porque estava chorando...

- Com que frequência isso ocorre? - ele perguntou, finalmente desistindo da luz nos meus olhos e recostando-se novamente na cadeira.

- De duas semanas pra cá... o tempo todo!

- Certo! - ele abaixou a cabeça e abriu uma gaveta na mesa. Revirou por um tempo e depois me estendeu uma cartela de comprimidos cor-de-rosa. - Tome um por dia, sempre no mesmo horário...

- Isso vai resolver o meu problema, doutor? - perguntei, pegando a cartela e guardando-a na bolsa rapidamente.

- Sim, vai resolver...

- Então não sentirei mais esse aperto?

- Não...

- Nem as queimações?

- Também não...

- Não irei me revoltar, nem chorar?

- Não! - ele respondeu com um sorriso, por fim.

Me levantei e atravessei a sala em direção à porta. Girei a maçaneta e estava prestes a sair quando algo me intrigou. - Doutor, o que eu tenho afinal?

- Você sofre de amor...